Por Bruna Conceição de Jesus
Marcos Antônio Borges Dormundo Nascimento
A sessão Atualidades desta primeira edição da Revista Banzar Magazine traz uma discussão em torno da regulamentação da profissão de Historiador, a qual se tornou lei nº 14.038 de 17 de agosto de 2020. Destacamos que a busca pela regulamentação surgiu há alguns anos e sempre gerou um debate constante, no qual regulamentar uma profissão é estabelecer uma legalidade na atuação do profissional, demarcar atribuições, uniformizar procedimentos, sua organização, além de critérios de contratação, dentre outros aspectos.
Sendo assim, a Banzar Magazine ao reconhecer a importância desta conquista, se propõe a discutir os aspectos da regulamentação, no intuito de contribuir com o diálogo em torno das questões referentes as mudanças e permanências na atuação dos profissionais de história por meio da efetivação desta lei. Para tanto, evidenciamos os principais momentos, impasses e curiosidades do processo de aprovação da referida lei que efetiva as condições necessárias para o exercício da profissão de historiador.[LR1] Após sete anos da fundação da Associação Nacional dos Professores Universitários de História (ANPUH), em 19 de outubro de 1961, ocorreu a primeira tentativa de regulamentação em 1968, quando um projeto foi apresentado à Câmara Federal pelo então Dep. Ewaldo de Almeida Pinto, com motivações da Federação Brasileira de Centros de Estudos Históricos (FBCEH), que também possuía ligações com a União Nacional dos Estudantes (UNE). Frisamos que esse projeto surge num momento de ditadura no país, demonstrando que existia uma luta que era travada constantemente, e regulamentar a profissão de historiador seria um fator importante na resistência contra a opressão promovida pelo regime vigente. Porém, mesmo com esse enfrentamento, tal projeto não obteve aprovação.

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Já em 1983 voltou a ser apresentado um novo projeto com o mesmo objetivo, o PL 2647, assim como diversos outros projetos – o PL 1883/1991, PL 4753/1994, PL 2047/1999, PL 3759/2004 – por fim, em 27 de agosto de 2009 foi registrado e apresentado o PL 368, pelo Senador Paulo Paim (PT), após uma longa tramitação e um longo debate em diversos campos, dividindo opiniões entre os próprios historiadores e proporcionando discussões que, com certeza, fortaleceram ainda mais o fazer historiográfico, o texto final foi aprovado por unanimidade no ano de 2020, resultado de uma intensa mobilização dos diversos projetos de leis tramitados, e sob forte enfrentamento dos profissionais da área de História, com apoio da ANPUH, e das diversas mobilizações de professores e estudantes para a obtenção dessa importante conquista. No entanto, é importante ressaltar que o texto mesmo aprovado pelo Senado, foi vetado na Câmara dos Deputados, sob recomendação do Ministério da Economia e da Advocacia-Geral da União. Por fim, em 17 de agosto de 2020, foi finalmente aprovada a regulamentação da profissão de historiador pela lei nº 14.038.
Quando se fala em regulamentação da profissão de historiador é comum ouvir comentários sobre o receio de perda em relação à liberdade do ensino, pesquisa e de expressão. Todavia, a liberdade de expressão é um direito garantido pela nossa constituição, o que o projeto da regulamentação traz é a garantia de atuação como historiadores apenas a profissionais qualificados. Isto posto, ressalta-se que a regulamentação não impõe que o campo da história é de domínio apenas dos historiadores, como exemplifica o artigo 3º da lei, onde destaca que profissionais de outras áreas que exerçam a profissão de historiador por no mínimo cinco anos possam continuar a exercer a profissão, portanto, não há uma defesa que a história seja monopolizada apenas pelos profissionais da história, mas existe o entendimento da necessidade de ferramentas específicas e próprias para a efetivação do trabalho historiográfico. Dessa forma, a regulamentação da profissão de historiador contribui na garantia desses espaços de atuação específicos para estes profissionais.

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A regulamentação da profissão de historiador é uma conquista de um longo processo histórico de luta, que ganha ainda mais ênfase no atual cenário em que vivemos no Brasil e no mundo, em virtude da pandemia do novo coronavírus, e no Brasil ganha uma proporção ainda maior devido à ascensão de um governo fascista e autoritário. Dessa forma, os elementos que irão compor os livros de história no amanhã já instigam os historiadores hoje, ao passo que somos responsáveis pela construção de um conhecimento histórico que proponha à sociedade uma reflexão constante. E nesse cenário conquistamos o reconhecimento do Estado como profissionais de fato e de direito, fortalecendo o nosso fazer histórico.
Desse modo, é importante ressaltar que não se deve confundir regulamentação da profissão com a profissionalização de pessoal, visto que a profissionalização é algo que já ocorre dentro das universidades com os cursos de graduação e pós-graduação com a formação acadêmica. Contudo, isso demonstra a necessidade da regulamentação dessa profissão garantindo sua existência no âmbito legal, uma vez que a regulamentação consiste em situar um marco legal de atuação constituindo normas para o exercício da função de historiador na condição de profissionais credenciados, bem como garantia de direito e espaço de atuação. Isso porque a lei traz todas as prerrogativas para atuação desses profissionais, estabelecendo, assim, os requisitos para o exercício da atividade profissional e determina o registro em órgãos competentes. A esse respeito, a Lei 14.038, de 17 de agosto de 2020, apresenta no art, 3º que:
O exercício da profissão de Historiador, em todo o território nacional, é assegurado aos:
– portadores de diploma de curso superior em História, expedido por instituição regular de ensino;
– portadores de diploma de curso superior em História, expedido por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
– portadores de diploma de mestrado ou doutorado em História, expedido por instituição regular de ensino ou por instituição estrangeira e revalidado no Brasil, de acordo com a legislação;
– portadores de diploma de mestrado ou doutorado obtido em programa de pós-graduação reconhecido pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES que tenha linha de pesquisa dedicada à História;
– profissionais diplomados em outras áreas que tenham exercido, comprovadamente, há mais de 5 (cinco) anos, a profissão de Historiador, a contar da data da promulgação desta Lei. (BRASIL, 2020)
Logo, a regulamentação vai além dos aspectos legais de atuação profissional, mas acaba por alcançar a concepção de profissionais que se pretende formar, no qual surge um leque de possibilidades de atuação em espaços institucionais, a exemplo, dos arquivos e museus. Desse modo, a atuação do historiador ultrapassa o campo da docência, configurando um aspecto positivo da regulamentação no âmbito do trabalho. Torna-se necessário pensar na construção desses profissionais de modo a garantir uma formação teórica e prática capaz de suprir as exigências do mercado de trabalho.
Portanto, ressaltamos a importância dessa conquista e os benefícios que ela fornece ao profissional da história, ao campo historiográfico e também à sociedade num todo. E desse modo parabenizamos todos que se empenharam nessa luta, em virtude de todos os obstáculos encontrados.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 14.038, de 17 de agosto de 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/. Acesso em: 29 de out. de 2020.
BRASÍLIA, Senado Federal. Agência Senado. Publicada lei que regulamenta a profissão de historiador. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias. Acesso em: 29 de out. de 2020.
BRASÍLIA. Congresso Nacional. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materiais. Acesso em: 29 de out. de 2020.
MOTTA, Rodrigo Patto Sá. Por que vale a pena a regulamentar a profissão de Historiador. ANPUH. 20 de jan. de 2015. Disponível em: https://anpuh.org.br/. Acesso em: 30 de out. de 2020.
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BRUNA CONCEIÇÃO

MARCO DORMUNDO
Mestrandos em História do Atlântico e da Diáspora Africana pela Universidade Estadual de Santa Cruz (UESC

